quarta-feira, 18 de março de 2009

A traição



Bebeu como se não houvesse mundo no amanhã, aquelas bebedeiras que amolecem tudo, até os intestinos. A boca parecia não ter músculos, teimava em permanecer aberta, os olhos ou a cabeça, sabe-se lá, andavam cada um para um lado na intenção de ir, e não iam, ele tombava a todo instante, sob o peso da carraspana.
Sem poder ir ou vir, dormiu ali mesmo,no chão da sala.
Já no dia seguinte, com tôdas as dores e vômitos da ressaca, se censurava pela fraqueza da bebedeira. O remédio era o chuveiro frio e um Engove.
A campainha tocou e ele se arrastou até a porta. Pelo olho mágico viu o rosto da mãe, que ao entrar e deparar com o filho naquele estado, com um misto de censura, dor e pena estampados no rosto envelhecido ordenou-lhe:
Vá pro chuveiro, menino...
Ela raramente aparecia naquela casa, talvez por intuição materna resolvera aparecer por lá naquela manhã.
Já o havia encontrado assim em outra época, outra briga deles, e já não estranhava mais.
Fabio obedeceu, como se fosse realmente um menino. No banheiro, vomitou, peidou, cagou, chorou até não querer mais.
Ficou um longo tempo confabulando consigo mesmo, sem chegar a conclusões ou decisões pensando no inferno que tinha sido sua vida nos últimos anos. Mas realmente o que mais doía, era o orgulho ferido mortalmente por aquele riquinho metido, a ser melhor do que ele, que tudo conseguira a duras penas, não herdara nada a não ser pobreza.

Há seis anos havia se apaixonado por Dolores, ela mostrou ser uma pessoa autoritária, vazia e rancorosa que ele fingia não perceber, maltratava seus parentes e amigos que começaram a se afastar, só lhes restou um casal, de amigos dela, Lú e Eduardo.
- Afinal eram ricos, gente muito fina... Afirmava ela.
- Ele é muito snobe e ela é idiota, uns “deslumbrados”, dizia Fábio.
Os dias se sucediam entre eles em brigas, mas Fábio mantinha a esperança de que dali há mais um tempo ela voltasse a ser a Dolores que antes do casamento, era tão doce.
Ela queria a vida de festas, roupas caras, viagens, queria a vida de quando era solteira, e sustentada pelo pai...
O dinheiro curto, o apartamento caro que ainda estava pagando, o carro recém-comprado, impedia Fábio de fazer as vontades de Dolores. Ela por sua vez, gastava todo o seu salário pequeno de professora, em supérfluos e vivia pedindo dinheiro ao pai, o que deixava Fábio bem humilhado.
Dolores anunciou assim, na bucha, para o marido, após briga feia de abalar quarteirão, que ia embora, afinal encontrára alguém que a compreendia e valorizava...
- Vá, vai agora, mesmo, e me deixe em paz, e vê se não volta mais dessa vez e deixa a chave...
- Você é que vai me dar paz, seu pé-rapado, nunca me deu nada, agora vou ter tudo...
Fábio cansado de discutir, sentou-se na cama e ficou vendo-a pegar bolsas e um jogo de malas e enchê-las de roupas e sapatos, que aliás era o que ela mais tinha.
A princípio, achou que o novo pretendente não existia, que na verdade ela ia voltar para a casa dos pais, como já fizera outras vezes.
Jogou as chaves sobre a cama e antes de bater a porta atrás de si, ela soltou a bomba:
- Vou morar com Eduardo que está se divorciando da idiota da Lú.

Meses depois: Fábio adormecera no sofá da sala, a campainha toca, acordando-o.
- Deve ser minha mãe, só ela me acordaria de um soninho tão bom...
Arrasta-se até o olho mágico da porta e depara com o rosto de Dolores do outro lado torcendo as mãos e em tom baixo e suplicante:
- Fábio, abre a porta, sei que você está aí, vamos conversar...
Ele, vira as costas, vai até ao aparelho de som e coloca no maior volume o DVD do Cazuza, que ela odiava, e ele amava, desligou a campainha, e voltou a dormir.

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