sábado, 25 de abril de 2009

O Espelho




Léah MorMac

As rugas começavam a aparecer, os cabelos antes de um castanho-dourado, eram agora na maioria brancos, palpebras que formavam pregas pesavam sôbre seus olhos, já sem o brilho da juventude. O corpo meio curvado, as pernas meio trôpegas e seus joelhos às vezes doiam sem quê nem porquê
Assim era a figura que se olhava com cuidado no espelho pendurado no pequeno banheiro do apartamento. A velhice chegou junto com a solidão.
Mas todas as manhãs cumpria aquele ritual com o corpo despojado de roupas passava e esticava com paciêcia de Jó um creme hidratante para o rosto, outro para todo o corpo, filtro solar para proteger sua pele tão branquinha, aí, vestia-se e depois de cumprir essa cerimônia matinal, saia para sua caminhada pela beira da praia. Encontrava uma amiga aqui, outra ali, uma conversinha aqui, outra ali, e a caminhada ia ficando só na vontade e intenção; mas conseguia compensar sua solidão e quando voltava para casa, sua mente estava ocupada com as novidades que as amigas lhe haviam contado.
Era hora do segundo ritual: Entrar no chuveiro, afinal estava suada de tanto esforço por andar. E novamente após o banho, o hidratante no rosto, o outro para o corpo, ia esticando e esticando os cremes e falando consigo mesma que ainda era bonita, e jovem e sadia. Não conseguia ou não queria ver a velhice estampada naquela imagem refletida no espelho, só conseguia enxergar a bela mulher que fora antes, bem antes daqueles seus setenta anos.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pobre menino Rico






Pobre menino rico
Léah MorMac
A brincadeira rolava todos os dias, a roupa grudada mais na sujeira que no corpo de tanto cair e correr com a bola no campinho.
O jornal da cidade, perto de casa, descartava os tubos de madeira que traziam os papéis que usavam, para eles inúteis, mas para nós era o tesouro! Daquilo criávamos nossos carrinhos de “rolimã de pau” e nossos “patinetes”, e neles era uma descida ladeira a baixo, onde acabávamos nos estabacando e rindo a rodo, nem sentíamos os joelhos e cotovelos ralados e nem chorávamos quando a mãe lavava nossos ferimentos de prazer, com água de sal “– homem não chora!”, era o refrão.
Vestidos no uniforme escolar andávamos a pé até a escola, parece incrível mas sim, andávamos a pé, que aliás era outro prazer, encontrávamos os amigos pelo caminho, e sempre uma brincadeira ou uma aposta para ver quem chegava primeiro, quem corria mais , e sem fôlego e suados entrávamos na sala de aula.
Nunca vi mãe levando filho de carro até à porta do colégio, coisa que nem podíamos imaginar existir, o “automóvel”, como era chamado, quem o tinha era rico.
Subíamos em árvores, para colher a fruta diretamente da fonte e lá, encarapitádos saboreá-las!
Video-game, televisão, MP3, nada disso existia. O que tínhamos era a matinê no cinema poeira nos fins de semana, para vermos as aventuras de Flash Gordon, Tarzã, ou um bang-bang com James Cagnei ou John Waine.
Não tinha traumas psicológicos por ver e desviar-me do tamanco arremessado por minha mãe em minha direção, quando as diabruras aprontadas chegavam no auge.
Se chegássemos tarde em casa, a preocupação não era com pedófilos, raptos, ou balas perdidas, era tão somente para mantermos obediência aos nossos pais, pelas regras da casa.
Os deveres de casa eram pesquisados nas bibliotecas e em enciclopédias, e não na internet. O mundo era real e não virtual, líamos Monteiro Lobato ao invés de ver pela Tv, o sitio do Pica-pau...
Merenda escolar era mingau, nada de fast-food, não tínhamos “mesada” para gastar nas cantinas da escola, nem em praças de alimentação de shopping – nem existia shopping, coisas de agora.
Sei que na minha infância não existiam as tecnologias e modernidades de hoje, que até acho bom, mas sei que foi rica em alegrias, aventuras e prazeres e principalmente liberdade despreocupada, que os pobres meninos ricos de hoje nunca experimentarão.
Fim

P.S.(texto referente a infância de meu marido)

sexta-feira, 10 de abril de 2009


O Crime
Léah MorMac

Sentado na varanda conseguia vislumbrar uma grande área, via as casas da vizinhança e se satisfazia com aquela invasão. Era já um vício aquelas “espiadas“ diárias. Mas a casa que ele via melhor era a do Gomes.
Tratava de ficar meio escondido entre os vasos de plantas, e, só saia dali quando era chamado por Beta, com uma raiva mal contida, que deixava transparecer na voz esganiçada...
- João vem almoçar...”João fofoca” vem me ajudar com a vassoura... João sai daí, faça alguma coisa...
Era assim todos os dias, todas as horas.
Beta, resmungava, praguejava e ameaçava amarrá-lo naquela cadeira.
- Assim não precisará ter o trabalho de se levantar e sentar...
Naquele dia, João chegou na cozinha, sem cor e trêmulo mal conseguindo tocar no braço de Beta.
- Deus do céu o que foi homem, o que está sentindo? Fala, fala...
Com muita dificuldade ele balbuciou:
-Eu vi Bebebeta, eu vi um crime, na casa do Gomes!
- O que, homem? Cê sonhou naquela cadeira.
-Não sonhei nada, começou a explicar:
-Ele passou no quintal todo sujo de sangue, e olhando de um lado para outro, para ver se ninguém o via, passou meio curvado carregando uma espécie de embrulho, de onde, de repente caiu algo, soltando-se do papel, e quando êle se apressou em pegar, eu vi, era uma cabeça de mulher. Eu vi, eu vi! Ai! Ai! Ai Beta, só podia ser a da Georgina e pingava sangue! Ai! O que vamos fazer, chamar a policia?
E correu para o quarto, e ela seguiu-o com medo de ficar sozinha na cozinha .
Beta não tinha mais espaço para arregalar os olhos, começou a andar nervosamente e falando:
- Meu Deus eles se davam bem, só se foi ciúmes, que ele tinha bastante do Elias, será? Não, não, deve ter sido por causa do Seu Carlos que vivia esticando o olho para a bunda da Georgina, que gostava bem de passar rebolando por ele.
Mesmo assim, matar, cortar-lhe a cabeça como Maria Antonieta é demais... Meu Deus, João, e agora?
Ele espiando pela greta da janela tentava enxergar a casa do Gomes.
Em sua casa, Gomes contemplava sobre a mesa uma cabeça com olhos estatelados, cabelos empapados, que sujara toda a mesa. Dava gargalhadas a se contorcer.
Então, surge na frente dele Georgina que falou:
- Gomes, pare de rir e me diga, voce acha que deu certo, acha que esta cabeça de papier maché e suja de anilina vai enganar aquele velho fofoqueiro, e fazê-lo parar de espiar para cá?
E Gomes tentando conter o riso:
- Tenho certeza, agora vou esperar pois provavelmente ele vai chamar a polícia. E eu vou dar uma de artesão.
FIM

sábado, 4 de abril de 2009

Lembranças de amor



O casamento estava marcado para as dezoito horas, e a recepção no salão do clube do pai da noiva seria logo após para convidados seletos, a notícia correu pela cidade e a Igreja lotou.
Nina muito magra sobrava dentro do vestido antes perfeito em seu corpo seus olhos verdes estampados no rosto demonstravam estar a ponto de chorar, mexia-se e remexia-se na cadeira, uma música angelical encheu a nave da igreja, por todos os lados rendas, flores e chapéus ia ser chique aquele casamento, pensou, e ela ali sentindo-se mal ajambrada numa roupa que nem parecia ser sua pronta para enterrar seus sonhos.
O noivo, com seus cabelos alourados perfeito naquele fraque, ombros largos, um deus grego. De pé ao lado dos padrinhos, ajeitava a gravata, examinava o chão, talvez para ver se estava firme sob seus pés ou sob sua decisão de casar-se com Marina.
As lembraças começaram a pipocar na mente de Nina, Bruno sempre fora um rapaz interesseiro, e meio preguiçoso, blasfemava diariamente contra sua pobreza, e jurava em voz alta que ainda ia ter dinheiro para gastar a rodo, Nina achava graça daqueles arroubos que ela julgava infantis. Lembrou-se dos beijos e afagos, planos de futuro, as noites passadas juntos num quartinho de Motel, onde ela ouviu juras de amor eterno, até o dia em que ele à queima roupa anunciou que não queria mais aquele namoro estava se sentindo muito preso, era muito novo e não tinha as mínimas condições financeiras para assumir qualquer compromisso. Nem as lágrimas, nem a explosão de Nina socando-o, nada o abalou ou o fez retroceder em sua decisão.
Nina perdeu uns dez quilos num mês, sentava-se perto do telefone na esperança de ouvir a voz de Bruno do outro lado pedindo perdão, à noite chorava até ser vencida pelo cansaço e adormecer, depois veio a raiva, a amargura, a auto desvalorização, a culpa, um turbilhão de sentimentos, mas nunca o esquecimento, nem sua ausência amortecia aquela dor.
Naquela tarde ao sair do trabalho, sabia que precisava trocar de caminho e passar no mercado para atender a um pedido de compras feito por sua mãe.
O chão abriu-se a seus pés ao vê-lo passar abraçadinho com a feia Marina, feia porém filha de pai empresário rico, que Bruno vivia citando como exemplo do que queria ser um dia...
Quantas promessas, quantos sonhos agora decaptados com aquele casamento.
Marina apareceu emoldurada pela porta da igreja, seria um belo quadro não fosse a feiura da noiva. Os cabelos ajeitados extrategicamente no alto da cabeça , a maquiagem perfeita, o vestido lindo num corpo quadrado, nada poderia melhorar sua aparência, seu naris pequeno demais entre as bochechas gordas, todos que a conheciam comentavam parecer um cachorro bulldog.
Andava lentamente olhando todos os rostos à sua volta sentindo-se admirada e invejada, com um sorriso de canto a canto mostrando os dentes imperfeitos, dentro de um vestido digno de uma rainha. Mas a única coisa bonita que ela conseguira fora o lindo noivo que seu pai lhe comprara.

Ao ouvir o sim que Bruno deu respondendo a pergunta do padre, Nina não suportou soltou um grito de dor, levantou-se para cair em seguida desmaiada com o peso da dor.
Acordou na sacristia uma senhora com um terço na mão, e um lenço encardido na outra abanava-a impaciente.
-Menina como se chama, como está se sentindo agora? Que escândalo foi aquele que você fez, querendo atrapalhar a vida dos outros que coisa feia...
Sem nada responder, Nina levantou-se , ajeitou-se dentro da roupa e pronta para ir embora quando o padre apareceu, dispensou a beata e depois de olhá-la severamente mandou-a rezar, ter fé que tudo ia passar...
Nina foi caminhando para sua casa e determinou que aquele seria o dia em que seus sonhos ficaram cegos.
Durante aquele ano as notícias que chegavam até ela eram de que Bruno e Marina se separaram e ele sumiu da cidade
Ela não saberia dizer quanto tempo se passou quando ao atender a campainha da porta, deparou-se com Bruno pedindo para falar com ela à sós.
Nina pensou estar vacinada contra aquele olhar suplicante, o mesmo que jogava em cima dela quando queria amor. Mas sua voz quase falhou quando disse: – Não, não posso estou ocupada. E fechou a porta atrás de si, sentou-se no chão sentindo seu coração acelerar, vontade de chamá-lo de volta, acreditar em suas promessas, chorar com ele o amor desperdiçado, perdido no tempo, socou-se chorou, chorou até não querer mais chorar.
Dias depois outro encontro dessa vez estavam na rua e ela não pode se esquivar.
Ele implorava perdão, e ela acabou cedendo com a condição de se casarem e só então voltariam a se amar. Bruno concordou e marcaram o dia do casorio numa igreja ortodoxa.
Nina, estava linda, adiquirira peso, e seu vestido embora simples realçava sua beleza
A igreja estava cheia, mas sabia que Marina lá estava tentando se esconder num cantinho.
A comoção foi geral quando Nina, respondeu Não a pergunta do padre.
Muitos anos se passaram, nunca mais o viu, mas a chama daquelas lembraças seguiram-na pela vida e hoje, lendo o jornal viu o nome dele na lista dos mortos de um acidente aéreo. Não saberia descrever o que sentiu, só sabe que mais uma vez chorou até não poder mais.
texto por Léah MorMac; imagem anônima